quarta-feira, 16 de março de 2011

A face contemporânea da repressão sexual, de Fabio Veronesi (Parte 2)


Um deles é o fato facilmente constatável de que uma grande quantidade de jovens consome drogas – álcool principalmente – para se soltar em eventos sociais. Cito os jovens para detectar a precocidade dos efeitos da repressão à sexualidade e expressividade humana. A maioria das pessoas tem histórias sobre coisas que fizeram alcoolizadas que não teriam coragem de fazer se estivessem sóbrias, principalmente relatando experiências sexuais.

Outro exemplo, que vivenciei como aluno do curso de Psicologia de uma universidade federal (supostamente de qualidade superior), é o fato de que em nenhum momento do curso, nenhuma disciplina, nenhum professor, nenhuma palestra ou congresso tratou amplamente sobre a questão da sexualidade. Fica a dúvida: será que ela não tem relevância na esfera psíquica do ser humano? Como pode um curso de Psicologia não dar atenção especial a esse tema?

A explicação pode estar em que para estuda-lo profundamente seria necessário quebrar o tabu sobre a sexualidade, questioná-la nas próprias pessoas que a ensinam, falar abertamente sobre sexo, sobre prazeres e dificuldades de cada um, de cada casal. Tais coisas não cabem nas instituições oficiais. O Estado e a Família estão perfeitamente pactuados na opinião de haver necessidade de repressão à livre sexualidade dos jovens. Ambos por questões de controle e segurança. Um cuida da polícia oficial e outra da polícia de costumes. São complementares. Não se sabe qual é mais poderosa em sua capacidade de nos conter. Uma instituição de ensino oficial não irá tratar profundamente sobre o tema da sexualidade, nem nos cursos onde isso seja fundamental, como o caso da Psicologia, porque não lhe interessa que este deixe de ser tabu.

Encaminhando essa análise para além do institucional, do oficial, indo para o institucionalizado, o habitual – como homem, sei que vivemos numa sociedade em que os homens contam entre eles muitas piadas sobre machismo e sexualidade com temas como traição ou “cornice”, mulher-gostosa-burra-objeto e homossexualidade não assumida. Dificilmente, entretanto, homens têm uma conversa íntima e sincera com seus amigos homens sobre suas formas de sentir prazer, suas dificuldades e anseios sexuais, sobre ejaculações precoces ou “brochadas”, sobre sua própria homossexualidade ou sobre seus padrões sexuais. O tema da sexualidade também é tabu entre amigos homens. Claro que não todos. Claro que há exceções. Mas são exceções.

Ampliando mais um pouco esse quadro também percebemos e constatamos sem nenhuma dificuldade o quanto são raros os diálogos abertos sobre esses mesmos temas dentro da Família. Pais e filhos não falam abertamente sobre sexo. Ou melhor, até conseguem falar sobre sexo em geral, mas dificilmente falarão sobre sua própria sexualidade. Pai e mãe poderiam ensinar sexo para suas filhas e filhos conversando abertamente sobre como fazem sexo, do que gostam e não gostam, como buscam seus orgasmos, se estão satisfeitos um com o outro, etc. Conversando, pais poderiam ensinar suas filhas sobre o universo sexual masculino e mães aos seus filhos sobre o universo sexual feminino. O Tabu do Incesto é fachada que esconde os tabus ainda existentes sobre o sexo.

A máxima expressão da repressão sexual do séc. XXI são as revistas pornográficas expostas nas bancas de jornal, os sites pornográficos da internet, os filmes pornográficos na tv a cabo, a seção de pornografia da vídeo locadora e tudo mais que disfarça os tabus acima citados. O modelo sexual pornográfico é a máxima expressão da objetivação do homem e da mulher, associada à dessensibilização das emoções. A definitiva separação entre sexo e amor, a completa substituição do ser pelo ter, do sentir pelo possuir. O caminho para a impotência orgástica (e se complementam a estas idéias, as expostas no capítulo “A impotência orgástica do homem”). A nova cara da velha repressão sexual.

Diante desse quadro, chama atenção a grande quantidade de pessoas que, em determinado ponto de suas vidas, simplesmente desistem de sua sexualidade, deixam de lado, vão “empurrando com a barriga” suas dificuldades, tem relações medíocres ou ficam longos períodos sem ter relações sexuais. De uma forma ou de outra, desistem de lutar por uma vida sexual ativa, plena e sadia. Sutil e insistentemente a repressão sexual consegue fazer seus estragos, deixar marcas, minar a pulsão vital.

Por tudo isso se torna fundamental falar, ainda hoje, de Revolução Sexual, sem a qual (conforme já dizia Reich) nenhuma revolução social se sustenta por muito tempo. Ser sexualmente revolucionário hoje em dia significa não ceder a essa apatia resultante de anos de confusão gerada pelo paradoxo neoliberal. Significa jogar fora papéis e posturas impostos pelo modelo pornográfico. Significa resgatar a espontaneidade, emotividade e ludicidade que nos foi cerceada, permitindo que nossa criança interior possa finalmente amar, se divertir e ter prazer com os jogos sexuais.

Copyleft
creative commonsCópia livre desde que respeitada a autoria. Não permito alterações do conteúdo ou uso para derivar outras obras. Comercialização só com minha prévia autorização.
Obra registrada na Creative Commons by Fabio Veronesi

Por hoje é só!
Que o GADU esteja com vocês!
.'.HERR THOR.'.

Nenhum comentário: