domingo, 13 de março de 2011

A face contemporânea da repressão sexual, de Fabio Veronesi (Parte 1)


A partir da estreita ligação entre machismo e repressão sexual, surge a necessidade de buscarmos aprofundar a discussão sobre o tema da repressão sexual. Porém, é importante notar que nessa busca não há referência do passado que possa nos ajudar no presente. Não há no que já foi dito, algo que possa dar resposta às nossas ânsias atuais. São historicamente inéditos os conflitos pessoais relacionados à sexualidade que afligem os seres humanos do séc. XXI, assim como é inédito o que é preciso dizer sobre eles. Algo que ainda está por se descobrir, revelar.
A influência da ideologia neoliberal sobre os costumes, conseguiu criar um paradoxo sem precedentes na história da repressão sexual nas sociedades humanas. O liberalismo ““liberou”” o sexo. Mais que isso – o transformou em mercadoria de consumo, produto, “fatia de mercado”. Paradoxalmente, porém, o processo de educação nessas mesmas sociedades, continua reprimindo a livre e espontânea expressão sexual das crianças.



Nesse sentido vale citar um capítulo do livro “A família de que se fala e a família de que se sofre”, de Angelo Gaiarsa, intitulado “Brincar de guerra pode, mas de amor não”, onde ele fala de uma experiência caseira vivida em sua própria família. A cena é a seguinte: reunião de família, vários parentes na casa, as crianças brincando na sala enquanto alguns adultos assistem televisão. As crianças brincavam de bandido e polícia, armas fictícias, atirando uns nos outros. Os adultos reclamavam quando alguma criança ficava na frente da tv, fazia barulho ou corria demais, mas nada que perturbasse o equilíbrio de uma família normal. Em dado momento as crianças pararam de correr pela casa e um dos pais comentou que elas já estavam havia algum tempo em silêncio. Descobriu-se que estavam reunidas atrás do sofá, brincando de se tocar, ver suas diferenças corporais, se cheirar, tirar a roupa, conhecer seus corpos. A televisão foi desligada, pais e mães entraram em estado de alerta sobre o que estava acontecendo com seus filhos, passaram a lhes dar atenção, inventaram outras brincadeiras e sutilmente acabaram com a brincadeira de exploração de corpos surgida espontaneamente na livre interação das crianças.
É importante perceber que essa cena retrata um tipo muito sutil de repressão à livre expressão da sexualidade, baseado numa mudança de interesse induzida. Um próximo ponto na escala da repressão vai revelar que, caso seja necessário, os pais farão uso de castigos e repreensões mais severas.


O resultado desse quadro onde crianças reprimidas durante toda infância são “liberadas” a partir da adolescência (primeiro não pode, depois “tem que”) são adultos que, mesmo tendo maior possibilidade de manter relações sexuais (se comparados a adultos que viveram no século passado), não conseguem viver plenamente sua sexualidade. Isso cria um novo paradoxo: faço sexo à vontade e mesmo assim permaneço insatisfeito. No século passado a insatisfação se explicava pela proibição, pelo impedimento. E agora? Como se explica comer, comer, comer e permanecer insatisfeito? As pessoas continuam sexualmente mal resolvidas e a possibilidade de se fazer sexo mais facilmente com maior número de pessoas, não está facilitando encontros amorosos. Pelo contrário, ela atrapalha as pessoas que buscam estabelecer uma relação mais íntima e emotiva.
Reich define o orgasmo pleno como aquele em que se consegue entrega emocional plena, o que significa amar plenamente a pessoa com quem se relaciona sexualmente, sentindo todo corpo envolvido nesse encontro. Para derreter-se e misturar-se ao outro é preciso aquecer os corações e não somente os genitais.

O ser que ama é um ser frágil, no sentido de que é alguém que abre o peito. Ao revelar seu amor arrisca-se à rejeição, fica mais vulnerável, pode se machucar. Precisa de um meio seguro para se expressar. Precisa confiar para ser pleno.
É exatamente nesse ponto que age a repressão sexual peculiar ao início do séc. XXI dentro das sociedades de ideologia predominante capitalista neoliberal: criam um ambiente hostil a esse ser que se expõe e tenta se abrir para o amor. Um ambiente social competitivo, individualista e fugaz, onde sexo é associado à posse, poder ou mercadoria. Teoricamente, as pessoas podem manter relações sexuais sadias, plenas, caso queiram. Mas, na prática, continuam a ter sérias dificuldades pessoais para entregar-se às emoções amorosas que levariam a um orgasmo pleno. A intimidade necessária para essa entrega se consegue com a permanência e o aprofundamento da relação. No contexto da nova repressão, as pessoas pulam de uma relação para outra, ficam entre relações, trocam o prazer da intimidade pelo prazer da conquista.
Sexo continua a ser tabu. Os exemplos estão em todas as partes.

(continua...)

Por hoje é só!
Que o GADU esteja com vocês
.'.HERR THOR.'.



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